Proposta de resolução - B9-0543/2021Proposta de resolução
B9-0543/2021

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre o primeiro aniversário da proibição de facto do aborto na Polónia

3.11.2021 - (2021/2925(RSP))

apresentada na sequência de declarações do Conselho e da Comissão
nos termos do artigo 132.º, n.º 2, do Regimento

Sirpa Pietikäinen, Frances Fitzgerald
em nome do Grupo PPE
Robert Biedroń, Predrag Fred Matić, Maria Noichl, Alessandra Moretti, Vilija Blinkevičiūtė, Heléne Fritzon, Maria‑Manuel Leitão‑Marques, Pina Picierno, Birgit Sippel, Juan Fernando López Aguilar
em nome do Grupo S&D
Karen Melchior, Samira Rafaela, Abir Al‑Sahlani, Sylvie Brunet, María Soraya Rodríguez Ramos, Susana Solís Pérez, Irène Tolleret, Hilde Vautmans, Chrysoula Zacharopoulou, Marco Zullo
em nome do Grupo Renew
Terry Reintke, Sylwia Spurek, Anna Cavazzini, Gwendoline Delbos‑Corfield, Ernest Urtasun, Ignazio Corrao, Rasmus Andresen, Daniel Freund, Grace O’Sullivan, Jordi Solé, Kim Van Sparrentak, Rosa D’Amato, Alice Kuhnke, Alviina Alametsä, Diana Riba i Giner, Tilly Metz
em nome do Grupo Verts/ALE
Eugenia Rodríguez Palop, Malin Björk
em nome do Grupo The Left


Processo : 2021/2925(RSP)
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B9-0543/2021
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B9‑0543/2021

Resolução do Parlamento Europeu sobre o primeiro aniversário da proibição de facto do aborto na Polónia

(2021/2925(RSP))

O Parlamento Europeu,

 Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 2.º e o artigo 7.º, n.º 1,

 Tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), de 4 de novembro de 1950, e a jurisprudência conexa do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH),

 Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente os seus artigos 18.º e 19.º,

 Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a «Carta»), nomeadamente os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, 7.º, 10.º, 11.º, 21.º, 23.º, 35.º e 45.º,

 Tendo em conta a Constituição da República da Polónia,

 Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966,

 Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de dezembro de 1979, e as respetivas recomendações gerais n.º 21 (1994), n.º 24 (1999), n.º 28 (2010), n.º 33 (2015) e n.º 35 (2017),

 Tendo em conta a Plataforma de Ação de Pequim e as conclusões das respetivas conferências de revisão,

 Tendo em conta a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994, realizada no Cairo, o seu programa de ação e os resultados das sucessivas conferências de revisão, em particular a Cimeira de Nairobi sobre a CIPD+25, e os seus compromissos no sentido de procurar alcançar o objetivo de «três zeros», nomeadamente zero necessidades não satisfeitas no domínio da informação e dos serviços em matéria de planeamento familiar, zero mortes maternas evitáveis e zero casos de violência sexual e em razão do género, bem como práticas nocivas contra as mulheres e as raparigas,

 Tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas acordados em 2015, em particular os objetivos n.os 3 e 5,

 Tendo em conta o Plano de Ação do Gabinete Regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a saúde sexual e reprodutiva: rumo à concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na Europa – não deixar ninguém para trás,

 Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de dezembro de 1984,

 Tendo em conta a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (a «Convenção de Istambul»), que entrou em vigor em 1 de agosto de 2014,

 Tendo em conta a sua resolução, de 28 de novembro de 2019, sobre a adesão da UE à Convenção de Istambul e outras medidas para combater a violência baseada no género[1],

 Tendo em conta o documento de análise do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, de 4 de dezembro de 2017, sobre a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na Europa,

 Tendo em conta as orientações técnicas internacionais da UNESCO, de 2018, sobre a educação sexual,

 Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a Polónia, nomeadamente a de 15 de novembro de 2017 sobre a situação do Estado de direito e da democracia na Polónia[2] e a de 17 de setembro de 2020 sobre a proposta de decisão do Conselho relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito[3],

 Tendo em conta os quatro processos por infração instaurados pela Comissão contra a Polónia relativamente à reforma do sistema judicial polaco e a proposta de decisão do Conselho, de 20 de dezembro de 2017, relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito (COM(2017)0835),

 Tendo em conta a sua resolução, de 1 de março de 2018, sobre a decisão da Comissão de acionar o artigo 7.º, n.º 1, do TUE relativamente à situação na Polónia[4],

 Tendo em conta a sua resolução, de 14 de novembro de 2019, sobre a criminalização da educação sexual na Polónia[5],

 Tendo em conta a sua resolução, de 13 de fevereiro de 2019, sobre o retrocesso em matéria de direitos das mulheres e de igualdade de género na UE[6],

 Tendo em conta a sua resolução, de 26 de novembro de 2020, sobre a proibição de facto do direito ao aborto na Polónia[7],

 Tendo em conta, em particular, a sua resolução, de 24 de junho de 2021, sobre a situação da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos na UE, no contexto da saúde das mulheres[8],

 Tendo em conta o Atlas das políticas europeias em matéria de aborto de 2021, que classifica 52 países e territórios europeus, atribuindo pontuações aos seus quadros jurídicos no que se refere ao acesso a serviços seguros de assistência ao aborto,

 Tendo em conta, em particular, as suas resoluções, de 16 de setembro de 2021, sobre a liberdade dos meios de comunicação social e a nova deterioração do Estado de direito na Polónia[9] e, de 21 de outubro de 2021, sobre a crise do Estado de direito na Polónia e o primado do direito da UE[10],

 Tendo em conta o artigo 132.º, n.º 2, do seu Regimento,

A. Considerando que a União se funda nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, da justiça, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos e da não discriminação, consagrados no artigo 2.º do TUE; que todos os Estados-Membros assumiram, ao abrigo do direito internacional e dos Tratados da UE, obrigações e deveres no sentido de respeitar, garantir e observar os direitos fundamentais;

B. Considerando que, de acordo com a Carta, a CEDH, a jurisprudência do TEDH e a jurisprudência dos órgãos instituídos pelos tratados das Nações Unidas, a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos (SDSR) estão relacionados com múltiplos direitos humanos, nomeadamente o direito à vida, o direito de acesso a cuidados de saúde, a proibição de tratamentos desumanos e degradantes e o respeito pela integridade física, a privacidade e a autonomia pessoal; que estes direitos humanos estão igualmente consagrados na Constituição polaca; que os Estados-Membros estão juridicamente obrigados a respeitar e proteger os direitos humanos, em conformidade com as respetivas Constituições, os Tratados da UE e a Carta, e com o Direito internacional;

C. Considerando que o adiamento e a recusa do acesso ao aborto constituem uma forma de violência baseada no género; que o acesso a assistência em caso de aborto é fundamental para a igualdade social e económica; que vários organismos de defesa dos direitos humanos[11] afirmaram que a recusa do aborto seguro pode constituir uma forma de tortura ou de tratamento cruel, desumano e degradante, e que os abortos perigosos que são efetuados no contexto da proibição do aborto e causam a morte de mulheres devem ser considerados «assassinatos em razão do género, que afetam apenas as mulheres e resultam da discriminação consagrada na lei»;

D. Considerando que, há um ano, em 22 de outubro de 2020, o Tribunal Constitucional polaco ilegítimo declarou inconstitucional a disposição da Lei de 1993 sobre o planeamento familiar, a proteção do feto humano e as condições para a interrupção da gravidez que permitia o aborto nos casos em que um teste pré-natal ou outras considerações de ordem médica indicassem existir uma elevada probabilidade de anomalia fetal grave e irreversível ou de doença incurável que ameaçasse a vida do feto; que tal conduziu a uma proibição de facto do aborto, uma vez que a grande maioria dos abortos legais efetuados na Polónia se baseavam no referido motivo;

E. Considerando que a erosão do Estado de direito na Polónia conduziu a violações dos direitos humanos, incluindo da SDSR; que a proibição de facto do aborto na Polónia, na sequência dos numerosos ataques contra o Estado de direito que ocorreram nos últimos anos, constitui claramente um ataque ao Estado de direito e aos direitos fundamentais e restringe o acesso à SDSR na Polónia;

F. Considerando que o Comité de Ministros do Conselho da Europa manifestou reiteradamente a sua preocupação com o facto de a Polónia não ter aplicado os acórdãos do TEDH durante mais de 13 anos em vários casos[12] em que o Tribunal concluiu que a Polónia violara os direitos humanos ao não garantir na prática o acesso ao aborto legal;

G. Considerando que anteriores tentativas de restringir os cuidados de saúde e direitos sexuais e reprodutivos foram inicialmente travadas em 2016, 2018 e 2020, em resultado da oposição em massa de cidadãos polacos, expressa nas marchas da «Sexta-Feira Negra», que foram fortemente apoiadas por deputados ao Parlamento Europeu de diferentes grupos políticos;

H. Considerando que, em resposta a este acórdão que restringiu ainda mais o acesso ao aborto, se realizaram novamente manifestações sem precedentes em toda a Polónia, incluindo em pequenas cidades e aldeias, e no resto do mundo, e que, em outubro de 2021, foram organizadas novas manifestações em mais de 20 cidades de toda a Polónia, para assinalar o primeiro aniversário da proibição de facto do aborto; que as manifestações começaram por opor-se à grave restrição que compromete o direito fundamental à proteção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres polacas, mas evoluíram para manifestações contra outros atos que violam o Estado de direito e contra o governo responsável por essas violações; que foi comprovado que os agentes responsáveis pela aplicação da lei utilizaram força excessiva e desproporcionada contra os manifestantes;

I. Considerando que, apesar das manifestações sem precedentes, o acórdão foi oficialmente publicado em 27 de janeiro de 2021 e que, por conseguinte, a proibição de facto do aborto se tornou uma realidade para as mulheres na Polónia, conduzindo à generalização de abortos perigosos e obrigando as mulheres a viajar para o estrangeiro quando pretendem realizar um aborto, comprometendo assim a saúde e os direitos das mulheres, a sua autonomia e integridade físicas e sexuais e colocando em risco as suas vidas;

J. Considerando que, desde o acórdão, muitas mulheres polacas foram forçadas a procurar assistência relativa à sua SDSR, em particular serviços de aborto, através de iniciativas das associações Aborto sem Fronteiras e de organizações sediadas noutros
Estados-Membros; que a organização de procedimentos relativos à prática do aborto incumbe às organizações de defesa dos direitos das mulheres e a grupos informais e depende dos fundos angariados através de donativos;

K. Considerando que, nos últimos 12 meses, as associações Aborto sem Fronteiras ajudaram 34 000 pessoas[13] da Polónia a aceder ao aborto; que estes números representam apenas uma percentagem do número total de mulheres polacas que necessitam de apoio para aceder a assistência em caso de aborto;

L. Considerando que, devido às restrições legais e à estigmatização, não existem dados fiáveis sobre a incidência do aborto em muitos Estados-Membros, nem sobre o contexto em que o aborto é efetuado; que a existência de dados exatos, regularmente atualizados e anónimos sobre o aborto, provenientes de todos os Estados-Membros, é fundamental para compreender as necessidades em matéria de saúde e direitos sexuais e reprodutivos e garantir os direitos das mulheres;

M. Considerando que, de acordo com os dados recolhidos pela Federação para as Mulheres e o Planeamento Familiar (FEDERA), nos últimos 10 meses apenas 300 mulheres tiveram acesso a serviços de aborto em hospitais polacos por motivos de ameaça à vida e à saúde; que o acórdão estigmatiza ainda mais a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, afetando de forma desproporcionada as mulheres em geral e as mulheres grávidas que não dispõem de meios financeiros para custear o aborto médico ou o aborto no estrangeiro, bem como as que não têm acesso às tecnologias da informação;

N. Considerando que apenas alguns hospitais na Polónia efetuam abortos por receio de ocorrência de litígios; que, muitas vezes, as mulheres se abstêm de utilizar os seus serviços por receio de morosidade e de atrasos deliberados nos procedimentos e nas consultas; que a via de acesso ao direito ao aborto legal por motivos de saúde mental está a ser cada vez mais procurada por mulheres que sofrem de graves problemas de saúde mental por não receberem qualquer assistência institucional do Estado relativa ao acesso a serviços de aborto legal na Polónia; que, em julho de 2021, o TEDH anunciou a sua intenção de responder às queixas das mulheres polacas referentes a violações dos seus direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos[14];

O. Considerando que, em conformidade com o Atlas Europeu da Contraceção de 2020[15], mesmo antes de o acórdão ter sido proferido, a Polónia já tinha uma das políticas mais restritivas em matéria de acesso a meios contracetivos, planeamento familiar, aconselhamento e disponibilização de informação em linha; que a Polónia é um dos poucos países que exigem uma receita médica para a compra de contraceção de emergência, que é frequentemente negada por médicos com base em convicções pessoais;

P. Considerando que o Código Penal polaco prevê que qualquer pessoa que ponha termo à gravidez de outrem ou ajude ou induza alguém a pôr termo à gravidez, em violação do disposto na lei, incorre em responsabilidade penal, podendo ser condenada a penas de prisão; que, em resultado das disposições legais em vigor, do estigma social, do medo e da pressão dos seus pares e das autoridades médicas, os médicos na Polónia preferem não estar associados a procedimentos relativos à prática do aborto, o que já acontecia quando o aborto ainda era permitido por lei; que, para além da cláusula de consciência, amplamente utilizada, alguns médicos criam obstáculos adicionais não estatutários, como exames médicos desnecessários, consultas psicológicas ou consultas adicionais com especialistas, ou limitam os direitos das mulheres a testes pré-natais e à informação, que devem ser garantidos a todos no âmbito do sistema público de saúde; que as convicções pessoais de um indivíduo em matéria de aborto não devem interferir com o direito do paciente de aceder plenamente aos cuidados de saúde e aos serviços prestados nos termos da lei;

Q. Considerando que o acesso a cuidados ginecológicos na Polónia é extremamente limitado e quase impossível em algumas regiões, o que resulta num elevado número de gravidezes involuntárias, numa má saúde reprodutiva, numa elevada prevalência de cancro do colo do útero e num acesso insuficiente à contraceção; que, de acordo com o Supremo Tribunal de Contas, em 2018, apenas 2% das mulheres grávidas que vivem em zonas rurais da Polónia foram submetidas a todos os testes normalizados necessários durante a gravidez; que o acesso das pessoas LGBTI+ aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva, bem como os seus direitos são extremamente limitados; que as pessoas transexuais e não binárias que necessitam de cuidados ginecológicos são vítimas de discriminação em contextos médicos e que, muitas vezes, lhes é negado o acesso a cuidados; que a educação sobre sexualidade e relações afetivas adequada à idade nas escolas polacas não é obrigatória, abrangente nem baseada em dados concretos, e que estão a ser efetuadas tentativas de a proibir completamente;

R. Considerando que se tem registado um aumento do número de ameaças preocupantes e campanhas de ódio contra defensores dos direitos humanos das mulheres na Polónia por apoiarem os direitos das mulheres, o direito ao aborto e o movimento «Greve das mulheres», que tem estado na linha da frente das manifestações em massa contra as restrições ao acesso ao aborto legal; que estas ameaças relembram de forma alarmante os crescentes riscos que correm os defensores dos direitos humanos das mulheres na Polónia;

S. Considerando que os defensores dos direitos humanos das mulheres têm vindo a recolher assinaturas para um projeto de lei, que faz parte da iniciativa cívica organizada pela associação FEDERA intitulada «Aborto legal. Sem cedências», que anularia a proibição do aborto e permitiria a interrupção segura de uma gravidez até à 12.ª semana sem que a paciente necessitasse de apresentar um motivo e, em casos excecionais, após a 12.ª semana; que, em setembro de 2021, a Fundação antiaborto Pro Prawo do Życia apresentou ao Parlamento polaco um projeto de lei intitulado «Stop Aborcji 2021» [Acabar com o aborto 2021], a fim de proibir completamente o acesso ao aborto e de o criminalizar, com penas que poderiam ir até 25 anos de prisão;

T. Considerando que as leis do Parlamento polaco relativas ao Tribunal Constitucional, adotadas em 22 de dezembro de 2015 e 22 de julho de 2016, bem como o pacote de três leis adotadas no final de 2016, comprometeram gravemente a independência e legitimidade deste Tribunal; que as leis de 22 de dezembro de 2015 e de 22 de julho de 2016 foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional em 9 de março e 11 de agosto de 2016, respetivamente; que esses acórdãos não foram publicados nem executados na altura pelas autoridades polacas; que, desde a entrada em vigor das alterações legislativas[16] acima referidas, já não é possível garantir de forma efetiva a constitucionalidade das leis polacas na Polónia e que, por conseguinte, a legalidade do acórdão de 22 de outubro de 2020 é questionável;

U. Considerando que, em 7 de outubro de 2021, o mesmo «Tribunal Constitucional» ilegítimo apresentou a sua decisão relativa ao processo K 3/21, adotada com dois votos divergentes, sobre o pedido apresentado pelo primeiro-ministro polaco em 29 de março de 2021, na qual o Tribunal considerou que as disposições do TUE eram incompatíveis com a Constituição polaca por múltiplos motivos; que este acórdão constitui um ataque contra a comunidade europeia de valores e leis no seu conjunto, pondo em causa o primado do direito da UE, que é um dos seus princípios fundamentais, em conformidade com a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia;

V. Considerando que o acórdão, de 22 de outubro de 2020, anula os direitos adquiridos das mulheres polacas, uma vez que, antes da sua aplicação, o aborto na Polónia era legal em três casos, o que significa que a situação jurídica das mulheres polacas é atualmente pior do que quando o país aderiu à União Europeia em 2004; salienta que a constitucionalidade das três exceções existentes nunca foi posta em causa pelo Tribunal Constitucional até o Governo liderado pelo PiS ter assumido o controlo do tribunal e do sistema judicial, dum modo mais geral;

W. Considerando que uma organização fundamentalista, Ordo Iuris, que está estreitamente ligada à coligação no governo, tem sido uma força motriz que sustenta as campanhas que comprometem os direitos humanos e a igualdade de género na Polónia, incluindo as tentativas de proibição do aborto, os apelos à retirada da Polónia da Convenção de Istambul e à criação das chamadas «zonas sem LGBTI»; que, por conseguinte, na Polónia se recorre indevidamente aos valores culturais e religiosos para impedir o pleno exercício dos direitos das mulheres, a sua igualdade e o seu direito de tomar decisões sobre o seu próprio corpo;

X. Considerando que a Comissão de Veneza do Conselho da Europa, o TEDH, o Parlamento e a Comissão manifestaram uma profunda preocupação com o Estado de direito, incluindo a legitimidade, a independência e a eficácia do Tribunal Constitucional; que a Comissão desencadeou um procedimento nos termos do artigo 7.º, n.º 1, na sequência das reformas de 2015 do sistema judicial na Polónia;

1. Reitera a sua firme condenação do acórdão do Tribunal Constitucional ilegítimo, de 22 de outubro de 2020, que impõe uma proibição quase total do aborto, bem como do flagrante ataque contra a SDSR na Polónia; exorta o Governo polaco a garantir rápida e plenamente o acesso a serviços de aborto, bem como a sua disponibilidade, a fim de prestar serviços de aborto seguros, legais, gratuitos e de elevada qualidade e a torná-los acessíveis a todas as mulheres e raparigas; insta as autoridades polacas a respeitarem, a garantirem e a promoverem os direitos humanos das mulheres à vida, à saúde e à igualdade, bem como a sua proteção contra a discriminação, a violência e a tortura ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes;

2. Lamenta profundamente a ausência, durante o último ano, de qualquer iniciativa ou proposta destinada a revogar a proibição de facto do aborto e as numerosas restrições ao acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos no país; reitera que a proibição de facto do aborto põe em risco a saúde e a vida das mulheres e recorda que o acesso universal aos cuidados de saúde e à saúde sexual e reprodutiva são direitos humanos fundamentais;

3. Manifesta a sua solidariedade para com as mulheres polacas, os ativistas e as pessoas e organizações corajosas que continuam a ajudar as mulheres a aceder a assistência em caso de aborto sempre que necessário, uma vez que se trata do seu corpo e da sua própria escolha; lamenta profundamente a entrada em vigor do acórdão, apesar das manifestações em massa a favor do acesso legal ao aborto; apoia todas as mulheres e defensores dos direitos humanos que continuam a manifestar-se incansavelmente contra estas graves restrições às suas liberdades e aos direitos fundamentais; assinala que os manifestantes exigem não só a anulação do acórdão do Tribunal Constitucional ilegítimo, mas também o direito a um acesso gratuito, legal e seguro ao aborto e o respeito pela autonomia e integridade físicas; realça o apoio e o interesse demonstrado por muitos países da União e de todo o mundo pela causa dos manifestantes polacos;

4. Sublinha que a restrição ou a proibição do direito ao aborto não reduz de forma alguma a necessidade de abortos, mas obriga as mulheres a recorrerem a práticas abortivas perigosas, viajar para o estrangeiro para realizar abortos ou levar a gravidez a termo contra a sua vontade, incluindo em caso de malformação grave ou mortal do feto; salienta, ademais, que se trata de uma violação dos direitos humanos e de uma forma de violência com base no género que afeta os direitos das mulheres e das raparigas à vida, à integridade física e mental, à igualdade, à não discriminação e à saúde;

5. Manifesta a sua profunda preocupação com o facto de milhares de mulheres terem de viajar para aceder a um serviço de saúde essencial como o aborto; frisa que os serviços de aborto transfronteiriços não são uma opção viável, nomeadamente para as pessoas que vivem em situação de pobreza ou de vulnerabilidade, ou que são vítimas de discriminação intersetorial; manifesta a sua preocupação com o facto de as viagens para o estrangeiro colocarem em risco a saúde, a vida e o bem-estar das mulheres; salienta a importância do acesso a cuidados pós-aborto, em particular para as mulheres que sofrem complicações devido a um aborto incompleto ou perigoso;

6. Condena veementemente todas as propostas legislativas ou restrições que visam proibir, criminalizar e limitar ainda mais o acesso ao aborto seguro e legal na Polónia; relembra ao Parlamento e às autoridades polacas que as medidas que visam restringir o acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos são contrárias ao princípio da não regressão consagrado no direito internacional em matéria de direitos humanos e exorta-os a garantirem a plena realização da SDSR;

7. Condena o ambiente cada vez mais hostil e violento em que se encontram os defensores dos direitos humanos das mulheres na Polónia e solicita às autoridades polacas que garantam o seu direito de se expressarem publicamente, em particular quando se opõem à política governamental, sem receio de represálias ou ameaças; insta as autoridades polacas a protegerem urgentemente os defensores dos direitos humanos das mulheres que foram ameaçados, a investigarem essas ameaças e a responsabilizarem os seus autores; exorta o Governo polaco a combater as campanhas de desinformação abusivas contra os defensores dos direitos humanos das mulheres; salienta que muitos defensores dos direitos humanos das mulheres na Polónia enfrentam atualmente acusações penais pela sua participação nas manifestações contra o projeto de lei adotado na sequência das restrições impostas na altura devido à COVID-19; exorta o Governo polaco a abster-se de apresentar acusações penais por motivos políticos contra defensores dos direitos humanos das mulheres;

8. Condena veementemente o uso excessivo e desproporcionado da força e da violência contra os manifestantes, incluindo ativistas e organizações de defesa dos direitos das mulheres, por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei e de intervenientes não estatais, como grupos nacionalistas de extrema-direita; insta as autoridades polacas a garantirem que os autores de ataques a manifestantes sejam responsabilizados pelas suas ações;

9. Condena a retórica hostil utilizada por funcionários do Governo polaco contra os defensores dos direitos humanos das mulheres e outros críticos das políticas governamentais e insta a Comissão a abordar esta questão e a apoiar os ativistas, tanto a nível político como financeiro;

10. Exorta o Governo polaco a garantir a participação das mulheres e das raparigas na elaboração de leis e políticas que afetem as suas vidas, incluindo em matéria de saúde sexual e reprodutiva e de aborto, bem como a garantir-lhes o acesso à justiça e a vias de recurso em caso de violação dos seus direitos;

11. Insta o Conselho e a Comissão a disponibilizarem financiamento adequado às organizações da sociedade civil nacionais e locais, a fim de promover o apoio de base à democracia, ao Estado de direito e aos direitos fundamentais nos Estados-Membros, nomeadamente na Polónia; solicita que a Comissão assegure um apoio imediato e direto aos programas e às organizações da sociedade civil polacas que trabalham para garantir a proteção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos; exorta a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem ações de sensibilização e sessões de formação em matéria de SDSR através de programas de financiamento; congratula-se com o apoio de alguns Estados-Membros no sentido de prestar assistência a organizações da sociedade civil que ajudam as mulheres polacas a terem acesso à SDSR e incentiva outros
Estados-Membros a procederem do mesmo modo; insta os Estados-Membros a cooperarem de forma mais eficaz, a fim de facilitar o acesso transfronteiras ao aborto;

12. Insiste em que a prática de um aborto não deve ser de forma alguma criminalizada, uma vez que tal tem um efeito dissuasor nos médicos que, consequentemente, se abstêm de prestar serviços de saúde sexual e reprodutiva por receio de sanções penais, limitando assim os cuidados de saúde disponíveis para as mulheres e raparigas; insta o Governo polaco a despenalizar completamente o aborto e a retirar do Direito penal qualquer referência ao aborto, a fim de garantir que, na prática, os médicos aceitem realizar abortos dentro dos limites previstos na legislação nacional, bem como a assegurar que as informações que fornece sobre o acesso ao aborto e a outros direitos sexuais e reprodutivos sejam objetivas e baseadas em dados concretos;

13. Recorda que as restrições excessivas injustificadas ao acesso ao aborto seguro decorrentes do acórdão acima referido do Tribunal Constitucional ilegítimo não protegem a dignidade nem os direitos inerentes e inalienáveis das mulheres, uma vez que violam a Carta, a CEDH, a jurisprudência do TEDH, numerosas convenções internacionais de que a Polónia é signatária, bem como a Constituição da República da Polónia; reitera o seu apelo às autoridades polacas para que apliquem plenamente os acórdãos proferidos pelo TEDH nos processos instaurados contra a Polónia, nos quais este considera que restringir o acesso ao aborto legal constitui uma violação dos direitos humanos das mulheres;

14. Salienta que o acesso livre e atempado aos serviços de saúde reprodutiva, bem como o respeito pela autonomia reprodutiva das mulheres e pela sua tomada de decisão a este respeito são fundamentais para proteger os direitos humanos das mulheres e a igualdade de género; sublinha que os peritos das Nações Unidas[17] salientaram que os direitos humanos das mulheres são direitos fundamentais que não podem ser subordinados a considerações de ordem cultural, religiosa ou política e que a influência da interferência motivada por motivos ideológicos e religiosos em questões de saúde pública tem sido particularmente prejudicial para a saúde e o bem-estar das mulheres e das raparigas;

15. Manifesta a sua profunda preocupação com a utilização da cláusula de consciência, que constitui uma recusa da prestação de cuidados médicos com base em convicções pessoais; lamenta que, na sequência da alteração da lei sobre as profissões de médico e dentista, os médicos e os estabelecimentos de saúde não sejam obrigados a indicar um estabelecimento alternativo ou outro médico em caso de recusa de aborto e de outros serviços de saúde sexual e reprodutiva com base em convicções pessoais; observa que, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional ilegítimo, de 22 de outubro de 2020, o recurso à cláusula de consciência na prática foi limitado em consequência da falta de acesso ao aborto devido às condições do feto; lamenta que a formulação desta cláusula na legislação polaca não preveja qualquer procedimento de recurso contra a utilização abusiva da cláusula de consciência; deplora que os ginecologistas a invoquem frequentemente de forma incorreta quando lhes solicitam a prescrição de contracetivos, restringindo assim, de facto, o acesso à contraceção na Polónia; assinala que este sistema de recusar a prestação de cuidados médicos com base em convicções pessoais também prejudica o acesso ao rastreio pré-natal, o que não só constitui uma violação do direito à informação sobre o estado do feto, mas também impede o tratamento
bem-sucedido durante ou imediatamente após a gravidez; insta o Governo polaco a regulamentar as recusas de prestação de serviços de saúde sexual e reprodutiva por parte dos prestadores de cuidados de saúde, de forma que não seja negado o acesso à SDSR, e exorta o Governo polaco a proceder às reformas necessárias para introduzir a obrigação de encaminhar um paciente para outro médico e um procedimento de recurso contra a utilização abusiva da cláusula de consciência;

16. Exorta as autoridades polacas a revogarem a lei que restringe o acesso à pílula contracetiva de emergência e a financiarem, desenvolverem e promoverem todas as opções de contraceção, incluindo a contraceção masculina;

17. Condena o Governo polaco pelo abuso do sistema judicial e dos seus poderes legislativos para instrumentalizar e politizar a vida e a saúde das mulheres e das pessoas LGBTI+, que conduz à opressão e à discriminação contra estas pessoas;

18. Reitera a sua profunda preocupação expressa nas suas resoluções sobre as tentativas de criminalizar a divulgação da educação sobre sexualidade e relações afetivas na Polónia e insta a Comissão e os Estados-Membros, nomeadamente a Polónia, a garantirem que os estudantes de todas as idades e orientação sexual recebam uma educação sobre sexualidade e relações afetivas abrangente, adequada à idade e baseada em dados concretos, que é fundamental para desenvolver as capacidades dos jovens para construírem relações saudáveis, baseadas na igualdade, afetivas e seguras, livres de discriminação, coerção e violência; salienta que só a educação, a informação, o acesso universal à contraceção, a erradicação da violência sexual e a responsabilidade partilhada pela contraceção entre mulheres e homens podem reduzir a desinformação e o número de gravidezes involuntárias;

19. Condena veementemente a decisão do ministro da Justiça polaco de iniciar oficialmente o procedimento de retirada da Polónia da Convenção de Istambul, que por si só já revela um grave retrocesso em relação à igualdade de género, aos direitos das mulheres e à luta contra a violência com base no género, situação que se irá agravar se esta retirada se concretizar; exorta as autoridades polacas a revogarem esta decisão e a garantirem a aplicação efetiva e prática da Convenção; solicita ao Conselho que conclua, com urgência, a ratificação da Convenção de Istambul pela UE;

20. Recorda que os direitos das mulheres são direitos humanos fundamentais e que as instituições da UE e os Estados-Membros estão juridicamente obrigados a respeitar e proteger esses direitos, em conformidade com os Tratados, a Carta e o Direito internacional;

21. Insta o Conselho a abordar esta questão e outras alegadas violações dos direitos fundamentais na Polónia através do alargamento do âmbito de aplicação das suas audições sobre a situação no país, em conformidade com o artigo 7.º, n.º 1, do TUE;

22. Insta o Governo polaco a cumprir o acórdão do TEDH, que declara que a composição do Tribunal Constitucional é ilegal[18]; reitera o seu apelo à Comissão para que proceda a uma avaliação exaustiva da composição do Tribunal Constitucional ilegítimo; sublinha que o acórdão sobre o aborto é mais um exemplo do controlo político do poder judicial e do colapso sistémico do Estado de direito na Polónia, e que as instituições da UE devem agir em conformidade;

23. Exorta a Comissão a apoiar os Estados-Membros na garantia do acesso universal à SDSR, incluindo o acesso ao aborto seguro e legal para todos os cidadãos;

24. Insta a Comissão e o Conselho a salvaguardarem o direito à saúde e a garantirem que as mulheres e as raparigas na Polónia não sejam deixadas para trás, mediante a adoção de medidas decisivas e a luta contra quaisquer propostas legislativas ou restrições da Polónia relativas ao acesso a serviços de saúde, incluindo a assistência em caso de aborto;

25. Solicita às comissárias responsáveis pela Saúde e Segurança dos Alimentos, pela Igualdade e pela Democracia e Demografia que facilitem e promovam a proteção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos na Polónia, como parte fundamental da consecução do direito à saúde, à segurança e à igualdade de género;

26. Solicita à Comissão que tome medidas concretas para proteger a SDSR de forma mais geral, começando pela criação do cargo de Enviado Especial da UE para a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos e pelo aditamento ao Relatório Anual da UE sobre Direitos Humanos e Democracia de um capítulo específico sobre o ponto de situação em matéria de SDSR;

27. Insta a Comissão a adotar orientações para que os Estados-Membros garantam a igualdade de acesso a bens e serviços em matéria de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, em conformidade com o direito da UE e a jurisprudência do TEDH;

28. Recorda à Comissão que deve propor uma diretiva abrangente sobre a prevenção e a luta contra todas as formas de violência com base no género, incluindo violações em matéria de SDSR;

29. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão e ao Conselho, bem como ao Presidente, ao Governo e ao Parlamento da Polónia e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.

 

Última actualização: 8 de Novembro de 2021
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